terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Fazendas de criação de gado no Rio Grande do Sul e Santa Catarina

               Para retratar um pouco da vida nas primitivas fazendas serranas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, escolhemos alguns trechos do livro de Licurgo Costa, “O continente das Lagens – sua história e influência no sertão da terra firme”, volume 4, publicado em 1982, pela Fundação Catarinense de Cultura. Nesses excertos, pode-se observar um pouco dos costumes, tradições e dificuldades do cotidiano das fazendas de criação de gado. Pode-se, igualmente, compreender um pouco como eram as divisões internas das propriedades e em invernadas, o que facilitava o manejo do gado.
            Iniciamos, portanto, com alguns fragmentos sobre os aspectos da vida nas fazendas primitivas.


Aspectos da vida nas fazendas primitivas
(Licurgo Costa)

(pp. 1470-1473)
            “Sobre o que era o que poderíamos chamar de “vida cotidiana” do pecuarista ou fazendeiro nas primeiras décadas da Vila de Lages, quase nada sabemos. Na documentação até agora pesquisada há escassa menção à lida numa fazenda e como transcorria o dia-a-dia de um fazendeiro. Poder-se-á ter uma ideia aproximada, através do que conta Saint Hilaire[1] sobre a visita que fez à Província do Rio Grande do Sul e também a Santa Catarina, e pela correspondência oficial na época.
            Assim, por analogia, poderemos imaginar como eram as fazendas lageanas da época. Vejamos alguns aspectos da situação:
 – No começo não havia divisão, por cerca ou taipa[2] entre os campos dos diversos proprietários. As divisas eram estabelecidas nas escrituras e, a não ser pequenos potreiros ou piquetes em torno da sede, não havia mais cercas que as naturais, isto é, um grande rio ou banhado, sangas, e raramente valões abertos pelos proprietários, em geral com doze palmos de fundo por dez de largura. Nos lugares sem rios, grotas ou banhados, as divisões eram indicadas por marcas ou palanques de cem em cem metros ou mais, conforme as conveniências. Na época viajavam-se por toda região sem ser preciso abrir sequer uma porteira.
- O sistema de marcação e sinalização chegou ao Brasil com a primeira ponta de gado desembarcado em São Vicente (1534). As marcas de ferro eram em geral enormes, algumas de cerca de 25 centímetros de altura, para serem bem visíveis à distância. Aplicadas na picanha, ou melhor, em várias posições no quarto traseiro; pelo tamanho e pela rusticidade que as caracterizavam, prejudicavam muito o couro.
Mas à época da fundação parece que nos campos de Lages os fazendeiros não usavam marcas de fogo. A marcação era feita com sinais nas orelhas ou nos chifres.
[...]
Resolução da Câmara Municipal (1777):
- Os moradores do continente são obrigados, cada um d’elles, para rodeio a seus visinhos, juntando todos os seus animaes e gados, quatro vezes ao anno, para assim cada um costear o que é seu.
- O gado bovino e eqüino existente na região [nos primeiros tempos] não tinha dono, pertencia a quem conseguisse caçá-lo, o que não era fácil, pois exigia muita gente e muitos cavalos domados. No sul do Brasil somente as reduções jesuíticas conseguiam empreender grande caçadas de gado, porque mobilizavam centenas de índios e estabeleciam a média de cinco cavalos para cada um, construindo encerras com capacidade para milhares de cabeças, que eram repontadas para elas, geralmente um lote de vacas – mansas levadas a propósito.
- Uma das dificuldades existentes em Lages [nesses primitivos tempos] era a obtenção do sal [necessário ao “costeio”], que vinha de Laguna, em cargueiro de duas bruacas[3], comportando cada uma até sessenta quilogramas. Daí a preocupação de Correa Pinto com a estrada para Laguna e Tubarão. Como fazendeiro ele sentia a gravidade do problema.
- No começo, normalmente, só uma pequena parte do gado de cada fazendeiro era “costeada”[4], talvez um terço. O restante vivia alçado e quando precisavam fazer grande matança para uma venda de couro, que era o que verdadeiramente tinha valor comercial, abatiam as reses freqüentemente a tiro, como se fossem caça.
Talvez por aí se explica que no tombamento de gado dos fazendeiros lageanos conste sempre muito poucas cabeças: seria computado apenas o gado manso.
- O sal era colocado aos punhados, no chão, nos lugares escolhidos para rodeios. Somente no final do século passado [séc. XIX], começaram a ser usados os cochos. Eram feitos em pinheiro de bitola média, 30 centímetros, mais ou menos, escavados, em geral a enxó, e bem longos, digamos entre três e cinco metros, e colocados sobre forquilhas elevadas do chão uns setenta centímetros. O sistema de colocar o sal no chão perdurou até bem entrado o século em curso [séc. XX], mas nos consta que ainda há fazendeiros, em Lages, que continuam a usá-lo.
- O sal que chegava até Lages era importado de Portugal, que pela insuficiência de suas salinas também o obtinha das salinas espanholas. Era muito grosso, e precisava ser moído em pilão para ser levado ao campo. Aliás, posto em montículos na terra, não podia ser muito moído.
- As lidas de campo se limitavam à marcação, em abril ou maio, à queima em junho ou julho e à castração, entre setembro e outubro. No começo, cada fazendeiro se ajeitava com o pessoal de que dispunha, mas com o tempo, o desenvolvimento das fazendas exigia mais gente, e começou então o sistema de acorrerem para as grandes propriedades os vizinhos com seus camaradas disponíveis, que iam dar um “ajutório”. Depois o ajudado retribuía e assim trocando “ajutórios” todos resolviam seus problemas. Era como uma festa com churrasco, mateadas, troca de novidades, etc. este hábito perdurou até por volta dos anos trinta deste século [1930]. A legislação trabalhista talvez tenha sido um pouco responsável pelo desaparecimento de um costume que unia e criava amizades entre os homens do campo.
- Um pormenor a anotar sobre a vida dos primeiros fazendeiros lageanos é referente à moradia. Não eram todos os que tinham casa na Vila. Em geral viviam o ano inteiro na fazenda, mesmo no inverno, quando nada havia a fazer. E só apareciam se precisassem levar a esposa para dar à luz, ou quando deviam tomar providências indispensáveis junto ao Poder Público. Isto, naturalmente, prejudicava o desenvolvimento da Vila, a tal ponto que o Fundador, já em 1776, tratou do problema com o Governador da Capitania, Martim Lopes Lobo de Saldanha, e dele recebeu uma ordem draconiana no sentido de determinar “por edital e públicas notificações particulares a todos os moradores deste continente” para que dentro dos meses a que cada um fosse possível, se comprometessem a construir suas casas arruadas na Vila, com as combinações que parecessem justas ao Capitão-Mor, “sendo infalivelmente uma delas”, rezava ameaçadoramente a dita ordem, “remetermos V. mce, presos em ferros com escolta competente, paga às custas dos mesmos presos, donde não mandarei soltar nem deixar voltar para esse continente, enquanto ligitimamente me não mostrarem terem mandado fazer as ditas casas e estarem com efeito feitas”.
Parece que nem com esta ordem tão violenta obteve Correa Pinto que todos os fazendeiros construíssem suas casas na Vila. E muitos dos que as construíram continuaram a viver nas fazendas e conservavam suas casas fechadas na Vila.
[...]
- A utilização dos cachorros para as lidas do campo foi costume generalizado, desde a fundação. Aliás, desde quando os tropeiros começaram a palmilhar por estas paragens. Para recolher uma ponta de gado, para rodeiro, para marcar, etc., os campeiros sempre se faziam acompanhados de uma numerosa matilha que talvez mais atrapalhasse que ajudasse. Os cães eram da velha raça portuguesa, de cabeça grande, medianos na altura e obedientes, diz a tradição.
- Não conseguimos apurar quando começou a ser usado o arame farpado para dividir os campos. Parece-nos ter sido para o fim do século passado [séc. XIX], e precedido do arame liso. Então, sucedendo ao taipeiro, começou a aparecer o fazedor de cerca – o alambrador, como era designado no Rio Grande do Sul. Atualmente [1982] como as divisas são sempre feitas com arame, é o alambrador um profissional, bastante procurado. Os taipeiros já são raros. E caros...

Fatores de limitação da lotação

(pp. 1479-1481)
            Havia numerosos fatores para dificultar o desenvolvimento da pecuária e, entre muitos outros, um que não chegaríamos a imaginar atualmente: os obstáculos para o fechamento das propriedades. O arame, a princípio liso e depois farpado, começou a ser empregado nos países mais adiantados (Argentina, Uruguai), – aqui na América – por estancieiros ingleses, por volta de 1850-60. Nesta época, em Lages, as divisas entre fazendas eram, na medida do possível, as naturais: rios, banhados, grotas e onde não havia tais obstáculos, taipas, valões e uma ou outra cerca de achas de pinheiro. Taipas e valões sempre foram divisas caras. Ocorria então que nas épocas de secas, com rios dando vau, banhados sem água, etc., o gado de uma propriedade invadia a dos vizinhos. Parece-nos que esta teria sido uma das razões da Lei nº 520, de 2 de maio de 1862, cujo artigo 32 dizia o seguinte:
“Nenhum fazendeiro d’ora em diante poderá crear maior porção de gado do que aquela que se pode manter em seu campo; e justificando legalmente o contrário, por qualquer fazendeiro prejudicado, será o contraventor multado em 30$000 e nas reincidências, em dobro”.
            Mantida a lotação dentro do normal, umas 30 cabeças por milhão, era mais fácil conter o gado no campo onde estava aquerenciado. Com a lotação além do normal, quando escasseava o pasto, ocorria a invasão do terreno alheio.
            O uso do arame começou, em Lages, numa escala mínima no fim do século [XIX]. A taipa era então mais barata que o arame.


Taipa da Fazenda Pelotas, em Bom Jardim da Serra (SC).


Cancela na Fazenda Pelotas, em Bom Jardim da Serra (SC).


Taipa da Fazenda dos Ausentes, em São José dos Ausentes (RS).


Fazenda Conceição, Bom Jesus (RS).


Cemitério da Fazenda do Socorro, São Joaquim (SC).



Fazenda Rancho da Costa Brava, de Hélio e Rosa Velho.

Abigeato (Roubo de gado)

(pp. 1480-482)
            Um problema sério com que a pecuária lageana lutou por largo tempo, sem nunca ter conseguido resolvê-lo satisfatoriamente, foi o roubo de gado. As atas da Câmara de Vereadores registram pedidos de providências desde 1850, mais ou menos. O governo tomava medidas policiais, as queixas diminuíam por algum tempo; depois voltavam as denúncias, as autoridades entravam de novo em ação, os ladrões se recolhiam, seguia-se um período de relativa paz. E assim continuou por muitos anos, entre fases de atividade e de recesso dos gatunos.
            Mas por volta de 1875, são encaminhados à Câmara de Vereadores vários e enérgicos pedidos de providências, pois os ladrões chegavam ao ponto de levarem as reses furtadas para o matadouro público, onde as carneavam para ali mesmo venderem a carne. Já não bastavam as medidas tomadas pelo Poder Público local, era preciso que a Câmara se dirigisse à Assembleia Provincial sugerindo providências drásticas a serem contidas numa Postura mais enérgica do que as em vigor. E, na sessão de 11 de janeiro de 1876, foi encaminhado um ofício à Assembleia sugerindo a aprovação de um novo artigo das posturas, obrigando o condutor de reses para corte, destinadas ao consumo público, a dar a um fiscal seu nome e o número de reses que conduzia, de quem foram compradas, para onde se destinavam, tudo sob pena de serem multados em ...2$000 pelo não-cumprimento destas disposições legais. Parece que a Assembleia aprovou o artigo sugerido e ele criou embaraço aos traficantes de gado alheio, tanto que, por muito tempo, não apareceram reclamações de possíveis lesados.
            E a câmara teve tempo de legislar sobre os “pombeiros” em negócio de gado, classificando como tais, todos os que compravam para vender em pé, cortados ou retalhados, qualquer que fosse o número de cabeças. Estes, desde que profissionais, ficavam sujeitos a um imposto de 30$000 por ano. Também proibiram, os vereadores, que fossem abatidas reses cansadas.
            Mas, como os roubos voltassem e fossem cometidos em todo o Município, o que indicava que a rede dos gatunos era extensíssima, a Assembleia Provincial aprovou, em 7 de julho de 1883, uma enérgica lei passando para o Tribunal do Júri o julgamento dos crimes de abigeato.
            Comentando a Resolução, o “Lageano” de 1º de setembro do referido ano diz:

A Lei de 7 de julho de 1883

“Pela lei de 7 de julho deste anno e que vem publicada no Diario Officioal de 17 do mesmo mez passou para o jury a competência do julgamento dos crimes de abigeato, isto é, os furtos de gado vacum, muar e cavalar, independentemente de circunstancia e logar.
            Todos esses crimes são públicos e compete ao promotor publico denunciar; assim como o de cortes de madeiras, cujo julgamento é também pelo jury.
            Forão, portanto, revogadas, nesta parte, as Lei ns. 1090 de 1º de setembro de 1860 e 362 de 2 de julho de 1850 e seu regulamento de 9 de outubro do mesmo anno.
            Assim, pois, todoso os crime de furto de gado vacum, cavalar ou muar cometidos em qualquer logar que seja: na estrada, no potreiro, nos pastos, nos campos, cabe acção publica e pertence ao promotor publico denunciar para ser julgado pelo Jury.
            Todos os processos que ainda não forão julgados definitivamente, isto é, dos quaes pode haver recurso, devem ser julgados pelo jury, e por isso, com maior força de razão, aquelles sobre os quaes não forão ainda proferidas sentenças.
            Entendemos ser de vantagem para os criadores e fazendeiros as disposições da nova lei: fica assim ao juízo dos Srs. Jurados julgarem da conveniencia ou desconveniencia de uma condemnação em taes casos. Está por tanto, nas mãos dos proprios interessados a garantia dessa sua propriedade, e os accusados mais tranqüilos apelando para a consciencia de seus concidadãos, que, como juízes de facto, julgão não só pelo visto e provado, mas também pelo que sabem, attendendo a muitas circunstancias que ao Juiz de Direito não é dado attender.
            Sendo as comarcas da serra acima todas entregues à indústria pastoril, possuindo extensas mattas de madeiras, o Lageano desempenha a missão do seu programma, dando a notícia da nova lei, que tão particularmente diz e tão de perto com os interesses mais vitaes dos habitantes de serra acima”.

            Verificou-se então um período de alguns anos de recesso dos ladrões, pois somente na sessão de 11 de dezembro de 1890, o Vereador João José Theodoro da Costa propôs à Câmara urgente representação ao Governo do Estado, acerca das péssimas condições em que se encontrava a Indústria Pastoril do Município, em consequência do furto praticado em larga escala, nas fazenda de criação, decorrentes das novas disposições do recente Código Penal, suavíssimas em relação ao abigeato. A sugestão foi encaminhada Governo Estadual e mereceu providências, sobretudo a de policiamento, que amenizaram a situação das vítimas. Mas, a verdade é que o roubo de gado nunca cessou completamente no Município e, de quando em vez, como nos dias atuais[5], recrudescia e atingia consideráveis proporções, obrigando os lesados a mobilizarem-se para combatê-lo, colaborando com a Polícia. Em certo período, de 1900 a 1920, conquanto continuassem os roubos esporádicos de bovinos, aumentou muito o de eqüinos. E rara era a semana em que a Delegacia de Polícia não recebia várias queixas de lesados. Roubavam-se tantos cavalos então, como carros atualmente... mas cavalos eram mais difíceis de reaver. Nos últimos anos, sobretudo a partir de 1970, recrudesceu o roubo de gado e a Polícia, malgrado o louvável esforço de sua chefia, não tem tido os elementos necessários para debelar completamente o mal.


As “marcas” (Marcas de fogo)

(pp. 1505-1511)
            Em 4 de fevereiro de 1890, foram aprovados pelo Conselho de Intendência de Lages, os artigos 1º, 2º e 3º das Posturas Municipais, que criaram a obrigação do registro das “marcas” destinadas a assinalar a propriedade do gado.
            Dias depois, com abertura datada de 8 do mesmo mês, já estava à disposição dos interessados o primeiro livro de “Registro de Marcas”, cujo termo foi assinado pelo Presidente do Conselho, Sr. João de Castro Nunes.
            Havia já dispositivo legal que obrigava os fazendeiros a marcarem seus rebanhos, o que aliás, mesmo sem tal obrigação, eles o faziam, na Colônia, desde remotos tempos, quando os campos não eram divididos e o gado se misturava com os da vizinhança. Em Viamão os primeiros registros de marcas datam de 1767, e as Posturas municipais já os tornavam obrigatórios. Então eram usadas marcas muito grandes, de até 25 centímetros de altura, para serem melhor distinguidas à distância.
            Em obediência às novas posturas, no dia 10 de fevereiro foi lavrado o primeiro registro, com a seguinte anotação:
“Aos dez dias do mês de fevereiro de mil oitocentos e noventa, nesta Secretaria da Intendência Municipal de Lages, compareceu o cidadão IGNACIO ALVES DE CHAVES e por ele me foi apresentada a marca seguinte
 de que usa para distinguir os animais de sua propriedade. E para constar fiz esse registro, em que assina o apresentante comigo João da Cruz e Silva, Secretário que o subscrevi.”
           
No dia 20 de novembro do mesmo ano, foi completado o primeiro livro, com o registro da 552ª marca, depositada por João Florêncio de Souza Sobrinho.
             No segundo livro, com seu termo aberto em 28 de novembro de 1890, foram registradas mais 387, perfazendo nos dois livros o total de 939 marcas. O último registro tem a data de 1º de novembro de 1895, e corresponde à marca de Sr. Francisco Alves Theodoro.
            É curioso observar que nas centenas de registros o número maior de marcas corresponde a variações em torno do algarismo 5, e são tão semelhantes que, certamente, ocasionaram muita confusão entre os seus proprietários. Algumas outras são de tal maneira floreadas e com tanto “fogo”, conforme se dizia e, aliás, ainda se diz atualmente no “metier”, que deveriam causar grande dano aos animais.
            Em páginas juntas, reproduzimos os desenhos de algumas marcas antigas, de feitio normal e de outras que nos pareceram originais, ou pelo menos, curiosas. Também reproduzimos as pertencentes a alguns fazendeiros de renome naquele período do primeiro registro. Destes, faltam nos livros os registros de vários que alcançaram notoriedade como fazendeiros e/ou como líderes políticos.


Exemplares das marcas registradas em 1890.

Exemplares das marcas registradas em 1890.

Exemplares das marcas registradas em 1890.

  
Regulando o uso da marca de fogo

(pp.1511)
            Por muitos anos não houve alteração na regulamentação do uso da marca de fogo.
            Mas, pelo Decreto-Lei de 28 de março de 1939, o Presidente Getúlio Vargas estipulou novas normas para a sua utilização.
            Eis a íntegra do Decreto-Lei:
“O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o art. 180 da Constituição, e,
Considerando que o couro vacum constitui artigo de grande valor econômico para os mercados internos e externos;
Considerando que a indústria nacional de curtumes, não só pelo progresso já realizado, como pelo vultoso capital nella investido, exige matéria-prima de boa qualidade e isenta de defeitos;
Considerando que do mau emprego da marca de fogo advêm prejuízos para a economia nacional, resultantes da depreciação que soffrem os couros e,
     Considerando, finalmente, que se faz indispensável a regulamentação do uso da marca de fogo da modo a preservar os couros de defeitos que os desvalorizam nos mercados internos e externo,
DECRETA:
     Art. 1º O gado bovino só poderá ser marcado a ferro candente, nas regiões da cara, do pescoço e abaixo de uma linha imaginária ligando as articulações femuro-rótulo-tibial e número-rádio-cubital, de sorte a preservar de defeitos a parte do couro denominada "grupon".
     Art. 2º Fica prohibido o uso da marca, cujo tamanho não possa caber em um circulo de onze centímetros (O,m,11) de diâmetro.
     Art. 3º Fica igualmente prohibido o emprego da marca de fogo comumente usada nos matadouros, para identificação de animais e couros.
     Art. 4º Aos proprietários de gado bovino ou de estabelecimentos industriais será aplicada a multa de 20$000 (vinte mil réis), por animal marcado em desacordo com o que preservem os arts. 1º e 2º, elevada ao dobro, em caso de reincidência.
     Art. 5º Cabe ao Departamento Nacional da Produção Animal, do Ministério da Agricultura, zelar por intermédio de seus órgãos e funcionários, pelo fiel cumprimento do presente decreto-lei.
     Parágrafo único. Essa fiscalização será, exercida:
a)    de preferência nos matadouros sujeitos à inspeção sanitária federal;
b)    nos matadouros que abatam para o consumo local e nos próprios estabelecimentos pastoris, sempre que for julgado conveniente.
     Art. 6º O presente decreto-lei entrará em vigor, em todo o território nacional, dentro do prazo de seis (6) mezes, a contar da data de sua publicação.
     Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 29 de março de 1939, 118º da Independência e 51º da República.
            O Sindicato Rural mantém um arquivo das marcas atuais, porém bastante incompleto, talvez devido à falta de obrigatoriedade legal de depositá-las [registrá-las no órgão competente].
            Quanto ao Decreto-Lei acima transcrito poder-se-á afirmar que seus termos são ignorados pela maioria dos fazendeiros e que não existe fiscalização sobre a sua observância.

Impostos

(p.1511)
            Para que se possa fazer uma ideia de como eram os tributos que pesavam sobre os pecuaristas de outros tempos, mencionamos aqui a criação do Imposto de Indústria Pastoril, ou simplesmente “Imposto Pastoril”, como era denominado então. Foi ele criado pela Lei Nº 258, de setembro de 1910, e recaía
“sobre todos os criadores de gado de qualquer espécie, sendo considerados: de 1ª classe, sujeitos ao pagamento de 80$000 por ano aqueles cuja produção seja superior a 300 crias; de 2ª classe, os de produção entre 200 e 300 crias, que pagarão 60$000; e 3ª classe os de produção entre 100 e 200 crias, que pagarão 40$000, de 4ª classe, os que tenham produção entre 50 e 100 crias, que pagarão 20$000 e os de 5ª classe, aqueles cuja produção seja de 15 a 50 crias, que pagarão 5$000 anualmente. Os que tenham produção inferior a 15 terneiros nada pagarão.
Para efeito de pagamento do imposto ficam equiparados à 1ª classe os que invernam mais de 500 cabeças por ano; aos de 2ª classe, os que invernam entre 300 e 500 cabeças; aos de 3ª, os que invernam entre 300 e 400; 4ª, entre 150 e 300, 5ª de 50 a 150”.
            Estes impostos eram cobrados diretamente pelo Município. Com a reforma geral do Sistema Tributário da União, a criação do Instituto Nacional da Reforma Agrária, Imposto de Circulação de Mercadoria (ICM) e Funrural, os tributos passaram a ser recebidos pelos Governos Federak e Estadual obedecendo atualmente, a um critério que visa à área da propriedade, suas matas, lotações, produção agropecuária, vendas, compras, etc. Parte do tributo é devolvido ao Município.


Referências

COSTA, Licurgo. O continente das Lagens – sua história e influência no sertão da terra firme, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, v. 4, 1982.

SANTOS, Fabiano Teixeira. A Casa do Planalto Catarinense: Arquitetura rural e urbana nos campos de Lages, séculos XVIII e XIX. Lages (SC): Super Nova, 2015. 220p.



Notas:


[1] August de Saint’Hilaire era um botânico francês que, em suas viagens, percorreu os seguintes estados: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Viajou a cavalo, ou no lombo de burro, pelos sertões, geralmente por caminhos empoeirados e, na maioria das vezes, por picadas abertas a facão por seus acompanhantes, ainda que escravos. Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/biografia/august-de-saint-hilaire.htm.
[2] Taipas: Muros erguidos manualmente em alvenaria de pedra de junta seca, técnica conhecida na região como “taipa de pedra” ou simplesmente “taipa”, guarnecendo as estradas – corredores – e facilitando a condução das tropas de gado (SANTOS, 2015, p. 132).
[3] Cargueiro: mula adestrada para ser encilhada e carregada com duas “bruacas”, caixas duras de couro, que suportavam até 30 kg em cada uma delas.
[4] O gado chamado “costeado” era o gado manso. Já o “alçado”, era o que não era manso.
[5] O livro de Licrugo Costa, “O continente das Lagens – sua história e influência no sertão da terra firme”, volume 4, foi publicado em 1982.

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